Desde que o PLP 68/2024, um dos textos que regulamenta a reforma tributária, foi enviado à Câmara dos Deputados sem a previsão de adoção da substituição tributária, alguns governadores passaram a defender a ideia de incorporá-la ao novo sistema, sob o argumento de que os estados poderiam perder algumas dezenas de bilhões de reais em arrecadação. Porém, ICMS não é IBS e 1980 não é 2024. Assim, na nova realidade, o tiro pode sair pela culatra.
A chamada substituição tributária para frente prevê que o lançamento do imposto de toda a cadeia seja feito em indústrias que concentram a produção de mercadorias comercializadas de modo pulverizado no varejo. O objetivo original é racionalizar e facilitar a fiscalização e a cobrança dos tributos em poucos grandes contribuintes, em vez de milhares pequenos.
Para que isso aconteça é necessário que preços finais sejam estimados para compor a base de cálculo do imposto a ser cobrado ex-ante. Esse mecanismo foi eficiente até meados dos anos 1980, no antigo ICM, em uma época predominantemente analógica.
Com as transformações estruturais e tecnológicas das cadeias de distribuição, com maior concentração do varejo em grandes redes e a evolução dos meios de registros de documentos fiscais do analógico para o eletrônico, tudo isso tornou a substituição tributária para frente sem sentido e, pior, muito problemática, custosa, complexa e de difícil fiscalização.
Por isso, sua massificação a partir de 2008 trouxe uma enorme complexidade sistêmica e dificuldades imensuráveis para o exercício da fiscalização e da cobrança.
A situação tornou-se mais crítica quando do julgamento do Recurso Extraordinário 593.849/MG, em 2016, em que o STF (Supremo Tribunal Federal) julgou inconstitucional a definitividade da base de cálculo da substituição tributária.
Com essa decisão, tornou-se imperioso fiscalizar os pedidos de ressarcimento das lojas varejistas para as vendas de mercadorias abaixo do preço utilizado para a base de cálculo da substituição tributária, em que pese a adesão de diversas delas ao chamado Regime Optativo de Tributação, em que o lojista renuncia ao ressarcimento.
Mesmo assim, a não adesão de diversas lojas fez com que os estados voltassem a ter de fiscalizar centenas de milhares de contribuintes varejistas, tornando a substituição tributária ineficaz.
Em sua defesa pela inclusão da substituição tributária no novo modelo de tributação, representantes dos estados têm argumentado que ela representa 38% da arrecadação —valor que, segundo eles, poderia ser perdido.
Ora, se olharem mais detidamente para esse número perceberão que, grande parte dele, representa, na verdade, a sobretaxação das empresas do Simples Nacional, tanto como substituídas —aquelas que compram mercadorias com substituição tributária— como as substitutas —que são aquelas que vendem mercadorias com substituição tributária.
Na apuração dos impostos no DASN —a declaração do Simples Nacional— essas mercadorias têm de ser excluídas no tocante ao ICMS, pois essas empresas o pagam por substituição tributária tanto na entrada quanto na saída, equiparando-as às empresas que estão fora do Simples.
Ou seja, a substituição tributária mata o Simples Nacional sobretaxando as suas empresas e colocando-as em pé de igualdade com as grandes empresas, retirando-lhe todo o benefício do regime simplificado. Eis aí boa parte daqueles alegados 38% da arrecadação, ou seja, pura sobretaxação do Simples Nacional.
Em poucas palavras, o que fora concebido para controlar e fiscalizar poucos contribuintes acabou se transformando juntamente naquilo que se procurava evitar: a fiscalização de milhares de contribuintes, pulverizados pelo território do estado, inclusive empresas do Simples Nacional, e maior complexidade e contenciosos.
Se a história já havia tornado a substituição tributária obsoleta sob o regime do ICMS, no novo modelo, com o IBS, ela faz ainda menos sentido. Todo o fluxo de arrecadação do novo tributo se assenta em uma arquitetura de registro dos dados dos documentos fiscais em plataforma ambiente nacional que permite, dentre outros benefícios fiscalizatórios e de cobrança, o rastreamento do crédito tributário entre origem e destino.
Neste ambiente, adotar a substituição tributária para frente seria o mesmo que sobrepor à nova estrutura uma outra mais custosa e com desnecessária complexidade. E essa sobreposição seria, na verdade, duplicada, já que seria necessário haver outra, nos mesmos moldes, para a CBS, pois ambos os tributos devem ter o mesmo regime, segundo o artigo 149-B da Constituição Federal.
Importante destacar ainda que a vinculação do imposto às características físicas do produto e não ao valor da transação em si, como acontece em todos os IVAs existentes no mundo, traria problemas adicionais de classificação, abrindo portas para o aumento do contencioso e introduzindo mais complexidade ao sistema, com riscos crescentes de evasão sistêmica.
Por fim, outro problema que a substituição tributária traria para o IBS é o custo de capital de giro que ela imporia às empresas. Observa-se que a cobrança antecipada do imposto no substituto e o seu faturamento para as fases posteriores das cadeias produtivas com a anulação dos créditos, afeta sobremaneira o fluxo de caixa das empresas com a antecipação do pagamento, algo muito pior do que a alegada afetação provocada pelo split payment.
É, portanto, necessário que os atores interessados em ressuscitar a substituição tributária entendam que a tecnologia e o desenho do IBS, a vinculação do crédito ao seu efetivo pagamento, o uso intensivo de documentos fiscais eletrônicos para o rastreamento tanto do crédito quanto dos bens e serviços a ele sujeitos, deixam a substituição tributária no lugar de onde não deve sair: o passado.