MaXXXine, com Mia Goth, recupera sanguinolência oitentista – 09/07/2024 – Ilustrada

Fenômenos cult levam um tempo razoável para se consolidarem como tal. Mesmo assim, não é exagero dizer que a franquia “X”, lançada por Ti West há dois anos, já trilha esse caminho. A paixão fervorosa dos fãs é evidenciada pelo lançamento, nesta semana, do terceiro capítulo da saga, “MaXXXine”.

Como num culto, o pequeno e fervoroso grupo de fãs vem se preparando há meses para a estreia do que deveria ser o encerramento de uma trilogia –mas West já avisou que fará um quarto longa. Camisetas com o rosto da protagonista Maxine Minx, memes nas redes sociais e artes feitas por eles se proliferam nos círculos cinéfilos, aqui e lá fora.

No site da produtora A24, a coleção de meia dúzia de camisetas do segundo filme da saga, “Pearl“, está esgotada, mas ainda é possível comprar pins com o rosto marcado pelo sorriso forçado da personagem por cerca de R$ 55.

“Eu nunca tentei fazer um filme que fosse viralizar, mas eu queria, sim, criar algo estilizado, exagerado, que fosse memorável”, diz West, que podia até não ter certeza do sucesso quando gravou o seminal “X: A Marca da Morte“. Mas tampouco era ingênuo —ao entrar no set de filmagem, convenceu seus produtores a deixarem ele filmar, de uma vez, também a sequência “Pearl”.

Os dois primeiros longas custaram, cada um, US$ 1 milhão, cerca de R$ 5,5 milhões, segundo a imprensa americana. Faturaram, respectivamente, US$ 15 milhões e US$ 10 milhões, um investimento seguro para uma A24 que ainda fazia a transição de pequena produtora para um dos selos mais respeitados da indústria.

Ainda é precipitado para cravar, no entanto, se “MaXXXine” e seus irmãos vão resistir ao teste do tempo, fator crucial para um filme se tornar cult, mas eles preenchem vários dos pré-requisitos, para além do fervor dos fãs.

Para começar, todos investem no “camp”, estilo altamente exagerado e teatral, e são transgressores ao lidar de forma frontal com a indústria pornográfica –numa das novas cenas, uma coadjuvante, de quatro para um fortão num set de filmagem, diz um “olá, Maxine” em tom virginal, entre solavancos explícitos.

Os três longas ainda bebem de referências claras vindas de filmes que já alcançaram esse status. Ecléticas, elas vão da espiadela safada de “Porky’s” ao gore brutal de “O Massacre da Serra Elétrica“, no caso de “X”, e da ingenuidade em technicolor de “O Mágico de Oz” ao delírio sádico de “O que Terá Acontecido a Baby Jane?“, em “Pearl”.

Agora, referências mais óbvias se impõem sobre “MaXXXine”, como a presença do ícone oitentista Kevin Bacon no elenco e a da casa de Norman Bates, de “Psicose”, no cenário.

“Trabalhar com um diretor que não precisa reciclar personagens antigos é ótimo —não que eu tenha um problema com isso”, diz Bacon, lançado à fama pelo terror cult “Sexta-Feira 13”, em que tem a garganta perfurada por uma lança, que faz jorrar sangue sobre a regatinha colada ao corpo que seu personagem veste.

“Mas eu surgi nos anos 1970 e 1980, quando as pessoas não estavam fazendo filmes de super-heróis ou sequências e remakes. Os estúdios davam a oportunidade para trabalharmos em ideias novas, então é ótimo fazer parte de algo do tipo hoje.”

Os filmes de “X” seguem a cartilha do slasher altamente erotizado, com mais libertinagem que aquela permitida em 1980. No primeiro filme, acompanhamos o “massacre das estrelas do pornô”, quando Maxine Minx vê os colegas de elenco de uma produção para adultos serem mortos por uma velhinha.

Em “Pearl”, voltamos no tempo para conhecer a origem dessa mesma senhora, que assim como Maxine sonhava em ser uma grande estrela de Hollywood, mas que, censurada pelo conservadorismo dos pais e frustrada com as limitações de seu talento, dá início a uma matança.

“Eu preciso ser famosa. As melhores pessoas são”, dizia a aparentemente ingênua Maxine Minx no começo de “X”. Agora, vemos a personagem se tornando a “nova ‘scream queen’ dos Estados Unidos”, como dizem a certa altura de “MaXXXine”, em referência ao papel de mocinha aterrorizada que ela conquista numa grande produção de Hollywood.

E é essa a trama deste terceiro capítulo, ambientado numa Los Angeles decadente e abalada pelos assassinatos em série cometidos pelo Night Stalker, o stalker da noite, como ficou conhecido Richard Ramirez, serial killer real que marcava suas vítimas com pentagramas e outros símbolos satânicos.

Tentando se aproveitar da situação, um outro criminoso passa a perseguir pessoas próximas a Maxine, marcando-as da mesma forma para despistar as autoridades e, assim, ter o caminho livre para ameaçar a escalada à fama da protagonista.

Numa Hollywood obcecada em reciclar ideias do passado, ver uma trama original dando certo financeiramente é quase um alívio, por mais nichados que os três filmes sejam. Nos Estados Unidos, os lançamentos viraram eventos, com gente fantasiada nas salas de cinema e vibrando ao saber que um segundo ou terceiro filmes estavam em produção, de forma sigilosa.

West acredita que ao oferecer uma experiência, não apenas uma sessão de cinema, conquistou o boca a boca que impulsionou a franquia e sua própria carreira, até então tímida.

“A forma como fizemos as sequências, em segredo, se tornou parte da história dos filmes. Esses longas são de baixo orçamento, ideias originais de um estúdio menor, estamos num cenário diferente daqueles dos filmes da Marvel“, diz sobre a empresa que se especializou em fazer de suas estreias grandes acontecimentos, numa escala muito maior.

“Foi divertido chegar ao público com o mesmo vigor desses blockbusters, mostramos que nós [cineastas autorais e independentes] também conseguimos. Mas, no fundo, eu só queria entregar o melhor filme que pudesse fazer.”

Ele também credita boa parte do sucesso a Mia Goth, neta da atriz fluminense Maria Gladys e protagonista da trilogia. Além de atuar, ela entrou como produtora e ajudou a conceber os roteiros. O público se animou com a chegada de um rosto novo nas telas, afirma West, e sua performance exagerada, intensa, criou uma conexão entre atriz e fãs.

Agora, ele deve trabalhar num quarto capítulo, que ainda não sabe se terá relação direta com “X”, “Pearl” e “MaXXXine”, e que não tem data para sair. Sem a pressão, ele quer deixar as ideias virem até ele.

“Em dez dias eu vou estar em casa e, pela primeira vez desde que tudo começou, vou acordar e não ter nenhuma responsabilidade com essa franquia. Não sei como vou me sentir com isso, mas é algo que preciso entender por conta própria. Eu quero expandir esse universo, mas é difícil dizer como neste momento.”

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