O lançamento espacial europeu mais importante dos últimos anos está para acontecer nesta terça-feira (9), em Kourou, na Guiana Francesa. O foguete Ariane 6, operado pela empresa Arianespace e construído sob encomenda da ESA (agência espacial europeia), vem com a promessa de restabelecer acesso pleno e independente ao espaço, após a aposentadoria de seu predecessor, no ano passado.
O lançador foi projetado para ter duas configurações, com dois ou quatro propulsores auxiliares de propelente sólido, a fim de cobrir as demandas antes preenchidas pelo foguete russo Soyuz (que era lançado pela ESA a partir do centro de Kourou até a invasão da Ucrânia, o que levou à interrupção da parceria) e pelo próprio Ariane 5, principal foguete europeu e responsável por 117 lançamentos entre 1996 e 2023, com cinco falhas.
A versão que deve voar nesta terça, chamada Ariane 62, é a mais modesta, capaz de levar até 10,3 toneladas a uma órbita terrestre baixa. A mais potente, Ariane 64, poderá levar à órbita até 21,6 toneladas, capacidade apenas ligeiramente maior que a do Ariane 5.
A janela para o lançamento inaugural se abre às 15h (de Brasília) e vai até as 19h. Como se trata de um teste, o lançador transporta neste voo apenas satélites e experimentos de pequeno porte, produzidos por várias agências espaciais, universidades e empresas. E, como em todo teste, sucesso não é garantido. Baseado em resultados passados com o primeiro lançamento de um novo foguete, Josef Aschbacher, diretor-geral da ESA, dá uma temperada nas expectativas. “Estatisticamente, há uma chance de 47% de que o primeiro voo possa não ser bem-sucedido ou não acontecer exatamente como planejado”, alerta.
Com efeito, os dois primeiros lançamentos do Ariane 5, em 1996 e 1997, apresentaram falhas, antes do primeiro teste bem-sucedido, em 1998, e o início dos lançamentos comerciais em 1999. Pode acontecer algo assim com o Ariane 6? Impossível descartar, mas a herança tecnológica ajuda a reduzir os riscos. O primeiro estágio do novo foguete conta com uma versão aprimorada do motor Vulcain, usado no Ariane 5. Movido a hidrogênio e oxigênio líquidos, ele já tem uma longa história de sucesso.
Quanto aos propulsores auxiliares de propelente sólido, eles são essencialmente os mesmos já usados no foguete Vega-C, veículo fabricado pela empresa italiana Avio destinado a lançamentos de pequeno porte.
Já o segundo estágio é o que traz as maiores novidades, com um novo motor, chamado Vinci, também movido a hidrogênio e oxigênio líquidos, capaz de se reacender diversas vezes, facilitando a entrega de satélites em órbitas diferentes durante uma mesma missão.
Competitividade
Com desenvolvimento iniciado em 2014, o novo Ariane 6 já está quatro anos atrasado, o que coloca alguma pressão sobre a necessidade de rapidamente ser bem-sucedido. Sua indisponibilidade já obrigou a ESA a transferir o lançamento de seu telescópio espacial Euclid para um Falcon 9, da SpaceX, no ano passado, e fazer o mesmo com seu satélite EarthCARE, em maio deste ano.
O principal objetivo do novo lançador é restabelecer a capacidade perdida com a Ariane 5, mas custando consideravelmente menos que seu antecessor —a meta é uma redução de 40% no custo. Um voo do Ariane 5 custava por volta de US$ 175 milhões.
A pegadinha é que o programa também envolve um subsídio fornecido pela ESA para as operações do veículo, de até US$ 365 milhões anuais, para preservar a autonomia europeia para lançamentos espaciais.
Uma escolha controversa no design do lançador foi descartar qualquer perspectiva de reutilização, indo na contramão do que tem feito a SpaceX. A empresa americana no momento domina o mercado de lançamentos comerciais com seus foguetes Falcon 9 e Falcon Heavy, ambos com capacidade de recuperação e reuso do primeiro estágio. Adiante, a companhia espera passar seus voos ao Starship, que seria totalmente reutilizável.
Segundo a ESA, esse esforço é desnecessário no momento pela demanda limitada de lançamentos de grande porte. O plano é atingir um ritmo de nove lançamentos por ano, dos quais quatro serão institucionais (ou seja, lançarão espaçonaves e satélites da própria ESA e parceiros) e cinco serão comerciais (levando satélites de outros clientes). Para essa escala de operações, o ganho obtido por reutilização seria pouco relevante, segundo a agência.
O Ariane 6 a essa altura já tem 30 voos contratados, 18 dos quais para a gigante Amazon, que planeja a constelação de satélites de telecomunicação Kuiper para competir com a Starlink, da SpaceX.
O plano, caso tudo dê certo, é passar cinco meses analisando os dados do primeiro voo e então realizar o primeiro lançamento comercial, no fim do ano. Para 2025, a Arianespace espera conduzir seis voos, depois oito em 2026, dez em 2027 e então atingir a cadência de nove anuais em 2028 e 2029.