Barulho de martelo e furadeira, tapumes empoeirados, caminhões e operários para lá e para cá. Foram cenas concretas, mas também alegóricas, da Feira do Livro que acabou neste domingo, no Pacaembu, em São Paulo, após nove dias de eventos. É um trabalho em construção.
A reforma toma há meses o estádio recém-concedido para a empresa privada Allegra, e seus efeitos vazaram para um evento literário que achou melhor fincar mesmo assim suas estacas ali na praça Charles Miller, onde aconteceu nos últimos dois anos.
Afinal, a intenção da Associação Quatro Cinco Um, responsável pela feira junto com a Maré Produções, é que ela se torne uma tradição da cidade —como tem tido sucesso em se tornar, conforme atesta o público vasto que veio comprar livros neste domingo de sol—, sempre na mesma época e lugar.
A Feira do Livro atraiu 55 mil visitantes neste ano, contra 35 mil do ano passado, segundo a organização, e houve editoras que já tinham vendido mais do que o total da última edição só no primeiro fim de semana. É um sintoma de como ela preenche uma lacuna importante de eventos que sirvam não só de divulgação para as editoras, mas que também sejam espaços onde o lucro é possível.
Em festivais como a Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, os custos para marcar presença são altos, incluindo gastos de deslocamento até o litoral fluminense e hospedagens inflacionadas. Já as bienais e feiras universitárias costumam ter políticas de descontos agressivas, não incentivadas aqui. A Feira do Livro quer viabilizar o prestigioso e prestigiar o comercial.
Se nos outros anos ela ocupava cinco dias do calendário, agora tomou mais quatro, causando suadeira na equipe das mais de cem iniciativas editoriais participantes. Durante a semana, foi comum ouvir das editoras que o público tão reduzido não compensa o trabalho de abrir e fechar a lojinha todos os dias, vendendo um livro ou outro.
Havia um estímulo à vinda de professores e estudantes em férias durante a semana, mas isso faria mais sentido se houvesse um esforço estruturado para trazer excursões escolares, garantindo público certo ao horário comercial que espanta o trabalhador.
Outra estratégia poderia ser dedicar mais atenção ao público adolescente, que tem mais saliva por ídolos literários, mas cuja programação se concentrou em uma ou outra mesa pontual. Não ajudou que o grosso das palestras se concentrassem nos finais de semana, ainda que houvesse exceções chamativas como Nando Reis e Walter Casagrande na quinta-feira.
Os sábados e domingos receberam preciosidades como Camila Sosa Villada, com um depoimento sobre sua “transliteratura”, Martinho da Vila, com divertidas lembranças de sua vida de bamba, e conversas ricas entre Ivan Angelo e Maria Adelaide Amaral e entre Jamaica Kincaid e Henry Louis Gates Junior.
Esse encontro, aliás, foi prejudicado pela insistência da Feira em vocalizar as traduções simultâneas, e não as vozes dos convidados, nos alto-falantes. Além da estranha dissonância, alguns tradutores cometeram deslizes que democratizaram erros em vez de conhecimento.
É como um edifício que conseguiu erguer muitos andares de uma vez só, continuando a se equilibrar de pé —mas ainda precisando de umas boas demãos de tinta.