No trajeto entre casa e trabalho, o barbeiro osasquense Gustavo Almeida de Souza poderia usar o transporte público, mas prefere a bicicleta. Sua escolha é legítima: poupa o custo diário de duas passagens de ônibus (R$ 10,60), diminui os congestionamentos, encurta em 10 minutos o tempo de cada viagem, melhora sua saúde e evita a emissão de gases do efeito estufa.
A admirável atitude é observada em grande parte da população de Osasco, município da Grande São Paulo, e, apesar de levar vantagens para a economia e meio ambiente da região, não parece ser apoiada pela administração municipal.
Pelo contrário. Além de não ter disponível nenhuma estrutura cicloviária em seus trajetos comunitários, o barbeiro de 27 anos teve que enfrentar a violência de uma equipe da GCM (Guarda Civil Municipal) de Osasco que, na última terça-feira (2), o abordou por pedalar no calçadão central, uma área exclusiva para pedestres.
Na ação, gravada em vídeo por passantes e viralizada na internet, é possível identificar ao menos 4 agentes avançando sobre Gustavo, jogando spray de pimenta em seus olhos e o derrubando na via. Já caído, o barbeiro é enforcado por um dos guardas enquanto outro pressiona ferozmente sua cabeça contra o chão. O terceiro desfere socos e pontapés e o quarto, armado com uma espingarda, ameaça a população que pedia o fim das agressões.
Em conversa com o Ciclocosmo, o barbeiro disse que o pior veio em seguida, na base da GCM, onde, segundo ele, aconteceram as torturas. “Dez guardas me espancaram com cassetetes por uns 15 minutos. Achei que iria morrer, foi muita dor”. Ele conta que durante as agressões recebeu diversas ameaças, “disseram que eu não poderia denunciar nada, que sabiam onde me encontrar, onde moro”.
Ferido nos braços, pernas, cabeça e costas, precisou ser levado para a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) do centro da cidade pelos próprios agentes que o feriram. No caminho foi coagido a dizer que os ferimentos seriam fruto de uma queda de bicicleta. Segundo Gustavo, o médico acreditou nessa versão mesmo o vendo algemado com as lesões causadas pela tortura, e não pediu nenhum exame nem analisou as feridas. “Foi rapidinho. Ele mediu minha pressão e me liberou”.
No boletim de ocorrência, lavrado pelo delegado Bruno Martins de Mello, do 5º DP de Osasco, consta o relato de um dos quatro guardas que fizeram a abordagem inicial. Entre outros detalhes, ele disse que foi desacatado e que Gustavo chegou a tocar em sua arma com uma das mãos. No depoimento de Gustavo, consta que as “escoriações” pelo seu corpo foram causadas pela “contenção”. Não há nenhuma referência à tortura ou às ameaças sofridas.
Gustavo nega ter tocado a arma do agente de segurança e diz que relatou a tortura e as ameaças ao delegado e ao escrivão. “Falei um monte de coisa que aconteceu e o delegado não colocou quase nada”.
Na quinta-feira (4), a vereadora Juliana Curvelo, da Mandata Ativoz (Psol), replicou o vídeo que mostra a agressão no calçadão e saiu em defesa de Gustavo nas suas redes sociais. “Um pai trabalhador osasquense brutalmente espancado pela GCM. Isso não pode se repetir!”.
Juliana lembra que a cidade de Osasco praticamente não tem ciclovias —reclamação comum entre quem pedala por lá—, e que todas suas propostas de criação de uma rede cicloviária foram negadas pela prefeitura. “No entorno não tem nada, nenhum lugar demarcado para que as pessoas com bicicleta possam circular”.
De acordo com um estudo feito a partir do cruzamento de dados do Plano de Mobilidade Urbana de Osasco (2016) e da Pesquisa Origem e Destino (2017), a bicicleta é o principal meio de transporte nas viagens entre o centro e a região de periferia, com cerca de 1,3 mil viagens diárias de ciclistas.
Em comunicado, a prefeitura disse que “Osasco conta com ciclofaixas, ciclovias e ciclorrotas com extensão de 22 km”, e que existem placas informando sobre a proibição do tráfego de bicicletas no calçadão.
Gustavo argumenta que pedalou no calçadão para evitar transitar no caótico trânsito da cidade, e que nunca viu ciclovias em Osasco.
Na nota, a Prefeitura de Osasco esclareceu que “os seis GCMs envolvidos já foram afastados de suas funções nas ruas e ficarão na área administrativa até a conclusão das apurações” e que um decreto municipal veda a prática de estrangulamento pela GCM.
Indagada, a Secretaria de Segurança Pública do Governo do Estado de São Paulo disse que “o caso foi encaminhado ao Juizado Especial Criminal para apreciação. A Polícia Civil irá apurar a denúncia referente ao atendimento prestado à vítima e esclarece que a Corregedoria está à disposição para denúncias”.
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