As discussões entre Fisco e contribuintes envolvendo o cumprimento de obrigações tributárias têm ocasionado, cada vez mais, desdobramentos também na esfera criminal. Para além da lavratura de autos de infração, com imposição de multas que alcançam patamares relevantes, as autoridades fiscais, tanto em âmbito federal, estadual e municipal, têm dado início a investigações criminais, em casos envolvendo alegação de descumprimento de regras tributárias.
Não é novidade que uma das maiores barreiras ao fomento de novos negócios no Brasil é a alta complexidade tributária. Contando com uma carga tributária elevada e um emaranhado de obrigações acessórias previstas em disposições legais esparsas, o país certamente oferece um ambiente desafiador para as empresas no que se refere à conformidade fiscal. Some-se a isso o fato de que o eventual descumprimento da legislação tributária não implica consequências meramente econômicas, mas, também, sérios desdobramentos na esfera criminal.
Atualmente, tem se observado uma postura mais “punitivista” por parte das autoridades fiscais, com a lavratura de autos de infração na esfera federal com imposição de multa qualificada de 150% do valor do tributo, inclusão de diretores como devedores solidários e na comunicação dos fatos às autoridades criminais, com a formalização de representações fiscais para fins penais, dentre outras medidas.
Essa tendência tem se refletido também na jurisprudência e na legislação brasileira.
Os tribunais superiores têm se dedicado cada vez mais à análise de casos envolvendo desdobramentos criminais decorrentes de autuações fiscais e previdenciárias.
Como exemplo, vale citar o julgamento do recurso em habeas corpus (RHC) 163.334, pelo STF (Supremo Tribunal Federal), em dezembro de 2019, quando foi reconhecido que, deixar de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço, de forma contumaz, mesmo que tenha sido devidamente declarado às autoridades fiscais, configura crime de apropriação indébita tributária.
Outro precedente relevante foi o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4980, em março de 2022. Naquela ocasião, o STF determinou que o Ministério Público deve aguardar o fim do procedimento administrativo fiscal para dar início à persecução penal, em relação também aos crimes de apropriação indébita previdenciária, assim como já ocorre em relação aos crimes contra a ordem tributária. Esta discussão é um reflexo claro da postura atualmente adotada pelas autoridades fiscais, em conjunto com as autoridades criminais, na tentativa de endurecer os procedimentos em casos de autuações envolvendo acusações de fraude, conluio e simulação.
Além dos dois exemplos citados, existem inúmeros outros precedentes envolvendo desdobramentos criminais decorrentes de infrações à legislação tributária.
Na esfera legislativa, em janeiro deste ano, foi publicada pela Receita Federal a Portaria nº 393/2024, que amplia a esfera de atuação dos auditores fiscais, prevendo o dever de a representação fiscal para fins penais em relação aos crimes de falsidade de títulos, lavagem de dinheiro e aqueles contra a administração pública, ser enviada ao Ministério Público, no prazo de dez dias, contado da data em que o servidor tiver ciência do fato. Ou seja, expressamente desvinculando o momento de comunicação desses crimes à constituição definitiva do débito, requisito exigido para os crimes tributários e previdenciários, para que se possa antecipar a atuação do fisco e das autoridades criminais.
Nesse contexto, frente à complexidade das normas tributárias e da postura cada vez mais agressiva das autoridades fiscais, a instituição de práticas de compliance tributário ganha ainda mais importância para o empresariado nacional.
Além disso, o cenário atual de reforma tributária será desafiador para as empresas no Brasil; mas, ao mesmo tempo, poderá ser uma oportunidade para alavancar e sedimentar a importância do compliance também na esfera tributária.
As mudanças legislativas, de forma geral, sempre representam um sinal de alerta às empresas, que deverão se inteirar do que mudou e adotar mecanismos para se adaptar à nova realidade. É nesse momento de transição que ter sólidos mecanismos de controle, prevenção e detecção de riscos é essencial.
Boas práticas de compliance tributário não envolvem apenas o pagamento de tributos e a conformidade com obrigações acessórias, mas também a adoção de medidas prévias que podem evitar futuros problemas criminais aos representantes da empresa, lembrando que, na esfera criminal, a responsabilidade em relação a esse tipo de crime sempre recairá às pessoas físicas, ou seja, aos executivos, sócios e administradores da companhia autuada.
As práticas de compliance fiscal dependem, em boa medida, do setor econômico específico de cada empresa, bem como das particularidades da operação de cada contribuinte, e por isso que o primeiro passo será sempre uma avaliação de riscos, considerando essas características, em conjunto como uma análise do panorama legal tributário aplicável àquela companhia.
De forma geral, dentre as práticas usualmente adotadas, podemos citar a criação de um sistema de registro das transações realizadas, implementação de controles internos referentes à documentação fiscal e contábil, bem como à auditoria e cadastro de fornecedores e um constante programa de treinamentos para conscientização de colaboradores sobre as leis fiscais, de forma a evitar erros inadvertidos ou práticas ilegais.
Tais medidas geram valor não apenas por estarem prevenindo possíveis atos ilícitos e as contingências deles decorrentes, bem como por serem ferramentas na busca pela redução da carga tributária.
Assim, considerando o cenário atual, o compliance tributário deve estar no topo de prioridades das empresas que atuam no Brasil, da mesma forma que os programas anticorrupção, ou medidas de ESG. Quanto mais cedo essas medidas forem implementadas, mais sólida será a proteção contra potenciais problemas de ordem não só tributária, mas também criminal.