A presidente da reinstalada Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos, Eugênia Gonzaga, disse que o encerramento do colegiado em 2022 gerou inquietação e angústia nas famílias das vítimas do regime militar, além de ter prejudicado buscas e identificação.
Gonzaga, que é procuradora da República, promete agora exercer compromisso com “merecido zelo pelos direitos das vítimas e familiares de mortos e desaparecidos”, segundo disse em nota divulgada nesta quinta-feira (4).
Entidades representantes de familiares e de direitos humanos, organizadas na Coalizão Brasil Memória Verdade Justiça Reparação e Democracia, celebraram a retomada da comissão, promessa de campanha do presidente Lula (PT). Mas pediram garantia de orçamento e ampliação do escopo dos trabalhos, para abranger grupos como indígenas e moradores de periferia.
O Exército, por sua vez, fala em “caráter humanitário” da referida comissão e que os familiares têm o direito de saber o que de fato aconteceu. E acrescenta que vai colaborar nos trabalhos.
Lula recriou o grupo que tinha sido extinto no final de 2022, no apagar das luzes do governo Jair Bolsonaro (PL). O presidente vinha sendo cobrado por familiares de vítimas da ditadura militar (1964-85) desde que ele assumiu o seu terceiro mandato. A decisão de Lula, antecipada pela Folha na quarta-feira (3), foi oficializada no Diário Oficial da União desta quinta-feira.
“[A comissão] Foi prematuramente encerrada em dezembro de 2022. O fato gerou grande inquietação e angústia, especialmente por parte de familiares de mortos e desaparecidos políticos, pois relevantes trabalhos restaram inviabilizados, tais como as retificações de assentos de óbito e a busca e identificação de corpos de desaparecidos”, disse Eugênia.
A presidente evitou dar detalhes sobre os trabalhos da comissão antes da posse. Ela agradeceu a Lula e ao ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, pela nomeação.
Eugênia Gonzaga deixou o cargo em 2019, depois de um imbróglio com o então presidente Bolsonaro.
A comissão tinha determinado a correção do atestado de óbito de Fernando Santa Cruz, que desapareceu junto com o amigo Eduardo Collier Filho em 1974, depois de serem presos por agentes da repressão. O objetivo da medida era que o atestado dissesse que Santa Cruz foi vítima da violência de Estado.
Como resposta, Bolsonaro trocou 4 dos 7 integrantes do grupo. No lugar de Gonzaga, entrou Marco Vinicius Pereira de Carvalho, ligado a Damares Alves, hoje senadora pelo Republicanos-DF e à época ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Agora, além de reconduzir Eugênia à presidência, Lula destituiu os indicados de Bolsonaro e nomeou outros três no lugar: a professora universitária Maria Cecília Oliveira Adão será a representante indicada pela sociedade civil; Natália Bonavides (PT-RN), da Câmara dos Deputados; e Rafaelo Abritta, pelo Ministério da Defesa.
As entidades disseram ter recebido com “alegria e satisfação” a volta do colegiado. A coalizão, que engloba mais de 150 entidades, dentre elas o Instituto Vladimir Herzog, disse que se manterá atenta para que o grupo tenha “todos os meios materiais e institucionais para levar adiante sua missão prevista na lei”, especialmente no que diz respeito “à garantia de um orçamento capaz de permitir todas as atividades”.
As entidades também defendem a ampliação do escopo dos trabalhos da comissão, para reconhecer o que classificaram como sujeitos e grupos historicamente excluídos da justiça de transição brasileira, “notadamente os povos indígenas, os camponeses, a população negra e os moradores de favelas”.
Desde o início do mandato, Lula vinha sendo cobrado por elas para reinstalar a comissão e por falas suas neste ano. No final de fevereiro, o presidente disse que precisava “tocar o país para frente”, quando questionado sobre o aniversário de 60 anos do golpe militar.
“Eu estou mais preocupado com o golpe de 8 de janeiro de 2023 do que com 64”, disse Lula, em entrevista à RedeTV!.
Numa reação naquela época, a coalizão classificou a fala como “equivocada” e defendeu que tratar do golpe “não é remoer o passado, é discutir o futuro”.
Interlocutores apontavam que um dos motivos para a comissão seguir na gaveta era evitar uma deterioração na relação com os militares, que esteve tensa no primeiro ano de governo. Além da proximidade com o bolsonarismo, o avanço das investigações sobre os ataques de 8 de janeiro chegou a alguns integrantes das cúpulas das Forças Armadas.
A Defesa, no entanto, descarta oficialmente que a recriação da comissão possa afetar a relação e informou que vai colaborar com os trabalhos.
“O Ministério da Defesa vai colaborar com todos os trabalhos da comissão”, afirma o ministro José Mucio Monteiro, em nota divulgada por sua assessoria.
Na mesa linha, o Exército afirmou que vai colaborar com as atividades. “O Centro de Comunicação Social do Exército informa que o posicionamento do Exército é pelo caráter humanitário da referida comissão. Os familiares que perderam seus entes têm o direito de saber o que aconteceu. Caso instada, a Força ajudará nos trabalhos.”