O ex-jogador de futebol Walter Casagrande e o cantor Nando Reis discutiram na Feira do Livro em São Paulo, de formas distintas, maneiras de organizar a vida e a cabeça para superar os tormentos mais desafiadores.
Casagrande falou, como tem falado intensamente nos últimos anos, sobre a superação de sua dependência em drogas. Magnético, ele chorou ao contar a história de uma mulher que o abordou contando de quando o marido abriu o jogo sobre seu vício.
“Aquilo mexeu comigo, e as pessoas passaram a me abordar assim depois do meu livro”, diz, em referência a “Casagrande e Seus Demônios”, republicado agora pela Record com Gilvan Ribeiro. “Por isso eu tinha que reeditar, para contar o que aconteceu comigo nesses dez anos.”
“O que me fez estar aqui hoje são três coisas de que não abro mão: minha liberdade, minha sobriedade e nossa democracia. Quer conversar comigo, isso eu não negocio.”
Lembrando o período em que foi internado contra sua vontade, o comentarista diz ter ouvido de um médico que ele nunca tinha visto alguém com tamanho poder de destruição.
“Mas ele é do mesmo tamanho do meu poder de me recuperar. Eu sou competitivo, vou jogar contra a droga para chegar no zero a zero, sabendo que ela é muito mais forte do que eu.”
Essa fase foi a maior metamorfose de sua vida, segundo ele. Rodrigo Hübner Mendes, empreendedor da área de educação que dividiu a mesa com ele na noite desta quinta, contou da mudança pela qual foi obrigado a passar quando um tiro o deixou paraplégico.
“A melhor maneira de prever o futuro é criar o futuro, sem a pretensão de achar que terá um controle inabalável sobre ele”, sugeriu.
Todos os palestrantes disseram não poder dar receitas prontas de sucesso. Cada um deve encontrar a própria estrada —como afirmou Nando Reis em sua palestra um pouco mais cedo, na mesma praça Charles Miller.
O cantor confessou ser um “cara atormentado” que entende a criação de música como uma busca desesperada por ordem para “não tropeçar no caos” de sua cabeça. Ele lembrou também ter passado por um período de “excessos, abusos e inconsequências”.
“O que eu falo não dá conta do que eu sinto, eu não consigo sentir sem tentar entender e, para entender, preciso colocar em palavra.”
Fazer música, diz ele, é igual a arrumar as compras de um carrinho de supermercado.
“É aquele tetris”, comparou, para diversão de uma plateia lotada no fim da tarde. “As letras são aquelas que nós temos e as notas são apenas aquelas 12. Então tem que ter alguma resolução para fazer algo que caiba ali e se movimente.”
Ele está lançando pela WMF Martins Fontes o livro “Pré-Sal”, uma espécie de caderno de memórias partindo de uma música homônima que ele diz estar consciente de que não fez muito sucesso.
“Muitas letras que eu faço são esquisitas, excêntricas, e eu prefiro não buscar uma explicação para o que vira hit ou não, porque há um mistério no que as pessoas se identificam. Eu me tornei cantor para cantar coisas como essa. Se não, teria ficado quieto, porque tem gente que canta muito melhor que eu.”
A plateia pareceu discordar. A Feira do Livro continua até domingo no Pacaembu com mesas abertas e gratuitas.