O fundador do WikiLeaks, Julian Assange, deixou a prisão em 24 de junho, considerado culpado pela disseminação ilegal de material que supostamente colocou em risco a segurança nacional dos Estados Unidos. Mas para a jornalista Natalia Viana, o acordo pela soltura do ativista é ruim para a liberdade de imprensa.
“O governo Joe Biden entrará na história por obrigar uma pessoa a reconhecer culpa por um trabalho jornalístico usando a lei de espionagem contra o vazador. Ou seja, a notícia é boa em termos humanitários, mas é muito ruim em termos de liberdade de imprensa”, diz.
Viana é uma das fundadoras da Agência Pública e autora de “O Vazamento”, livro que será lançado pela editora Fósforo e que conta os bastidores das revelações feitas pelo WikiLeaks e a participação dela no caso.
A jornalista foi a única brasileira a estar na mansão do WikiLeaks em 2010, na cidade britânica de Norfolk, relatando os documentos vazados sobre o Brasil. Passou dez anos escrevendo o livro. “Demorei para finalizar a ideia desse livro, muito aficionada naquela visão de que nós, do jornalismo, não devemos ser notícia.”
O período na Inglaterra é um dos pontos centrais da obra. Viana conta sobre as paranoias de todos na casa e o medo de serem espionados: toda a equipe usava computadores sem acesso à internet. As baterias dos celulares eram removidas, por orientação de Assange.
Escrito em primeira pessoa, o livro narra o convite a Viana para integrar a equipe do WikiLeaks, suas conversas com Assange, o impacto das publicações e suas angústias sobre o material que estava divulgando.
“Demorou muito para eu entender que esse livro não era sobre o Assange ou sobre o WikiLeaks, mas sobre mim: como uma jovem jornalista brasileira entrou no maior furo da história.”
Apesar disso, o foco na figura de Assange é inevitável. A autora conta que ele é uma pessoa fissurada na própria imagem e duro no trato. “Julian estava vidrado nas notícias que corriam sem parar e pesquisava o próprio nome, obsessivo”, relata ela na obra.
O material revelado pelo WikiLeaks inclui informações sobre a atividade militar dos EUA no Iraque e no Afeganistão, além de telegramas confidenciais compartilhados entre diplomatas.
Durante a campanha de 2016, o grupo ainda divulgou milhares de emails roubados do Comitê Nacional Democrata, levando a revelações que constrangeram o partido e a campanha de Hillary Clinton à Presidência dos EUA.
As histórias sobre o Brasil diziam respeito à proximidade do então ministro da Defesa, Nelson Jobim, chamado de “atipicamente militante” em prol dos americanos, além do interesse dos EUA na segurança da Copa do Mundo e das Olimpíadas e na descoberta do pré-sal.
A divulgação ao longo dos anos foi feita em parceria com outros veículos, como a Folha, além de jornais internacionais. No Brasil, Viana foi a responsável por firmar esses laços.
A publicação de material vazado ainda gera discussões na imprensa sobre a relevância do conteúdo. Os casos Snowden e Vaza Jato, por exemplo, são baseados em documentação e conversas vazadas. Mas Viana considera que essa é uma questão pacificada.
“A atuação na Vaza Jato foi bastante inspirada pelo WikiLeaks. O [site jornalístico The] Intercept recebeu documentos e chamou outros veículos para participarem. Isso foi um modelo inventado pelo Assange, e a Vaza Jato teve impacto político e judicial muito relevante.”
O livro estava programado para agosto, mas foi adiantado pela editora por causa do noticiário sobre Assange e já está disponível na Feira do Livro que ocorre na praça Charles Miller, em São Paulo. Há eventos de lançamento agendados para o dia 11, no Congresso da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e no próximo dia 10 de agosto, na livraria Megafauna, com a jornalista Renata Lo Prete.
Questionada se pretende se encontrar com Assange a partir de agora, Viana diz que não conversa com ele há dez anos. “Mas tenho contato ainda com as pessoas do WikiLeaks, tenho afeto, carinho e acho que passados os primeiros meses [de sua libertação], tentarei revê-lo.”
Colaborou Vinicius Barboza