Um estudo publicado nesta segunda-feira (1º) pelo Instituto Fogo Cruzado comparando os discursos de parlamentares no Congresso Nacional revelou uma rápida mudança na posição majoritária sobre o comércio de armas nos últimos anos. Historicamente favorável a um maior controle, o Legislativo rapidamente abraçou a agenda armamentista na última década. De acordo com a coordenadora do levantamento, o temor é de que isso aconteça não simplesmente por mudança na visão dos eleitores, mas principalmente por abandono do debate pelos desarmamentistas, que entregaram maior espaço ao discurso da chamada bancada da bala.
A pesquisa compara a presença de discursos favoráveis ou contrários à facilitação do comércio de armas em plenário, tanto na Câmara quanto no Senado, entre 1951 e 2023. O resultado foi a predominância de posições anti-armamento civil até as eleições de 2014. Desde então, a agenda armamentista não apenas passou a preponderar no discurso de parlamentares, como também nas decisões do Legislativo.
O estudo foi conduzido pela pesquisadora Terine Coelho, coordenadora de pesquisa do Instituto Fogo Cruzado e doutora em ciências sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Ela chama a atenção para a ausência de movimentação por parte dos parlamentares em se articular contra a expansão da influência da bancada da bala sobre o discurso dominante no Legislativo.
Apesar de a virada de chave acontecer em 2015, a pesquisadora ressalta que o enfraquecimento do bloco desarmamentista é mais antigo, vindo de uma tendência de longo prazo. “Desde a aprovação do Estatuto do Desarmamento, em 2003, quem é a favor de um menor controle sobre as armas começa a se organizar, tomar esse espaço e defender melhor suas ideias, enquanto que quem defende o controle vai saindo de cena”, relembrou.
O levantamento aponta para a hipótese de queda do interesse de parlamentares contrários ao armamento civil em continuar a discussão a partir de 2003. “O grupo pró-controle demonstra ter dado o debate como pacificado. É a lógica de ‘agora temos um estatuto, está tudo certo, não precisamos mais falar sobre isso’”, explicou. A inércia ficou especialmente visível durante o governo de Jair Bolsonaro, diante da ausência de iniciativas energéticas por parte de parlamentares para deter os decretos de facilitação do acesso aos registros de Caçador, Atirador e Colecionador (CAC).
Paralelamente, o lobby armamentista também ganhou força no Congresso Nacional. Terine Coelho cita o crescimento da influência do Movimento Nacional Pró-Armas, fundado em 2020 pelo deputado Marcos Pollon (PL-MS), que tem servido como plataforma para a organização e também para o impulsionamento dos mandatos de parlamentares armamentistas.
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“Na última eleição, por exemplo, vimos pela primeira vez financiamento próprio para estes parlamentares. O Pró-Armas se articulou e financiou algumas campanhas para que seus próprios candidatos fossem eleitos, ao menos 23 parlamentares se elegeram dessa forma”, relembrou.
Esse crescimento do discurso armamentista e a consolidação da organização do bloco pró-armas acaba surtindo efeito sobre as próprias decisões do Legislativo: um exemplo disso se deu no último mês de maio, quando a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de decreto legislativo para retomar diversas restrições implementadas no ano anterior pelo Ministério da Justiça ao comércio de armas e munições para CACs.
Terine Coelho ressalta o risco de, sem um bloco que faça frente a uma bancada da bala organizada, o Congresso Nacional deixar de representar a vontade dos eleitores ao tratar da legislação sobre armas. “O que propomos discutir é se isso realmente é o que a população espera, ou se o Legislativo caminha nessa direção simplesmente porque o outro lado abriu mão do debate”, ponderou.
Pesquisa divulgada pelo instituto Datafolha em maio mostrou que 7 em cada 10 brasileiros rejeitam a ideia de que armas trazem mais segurança para a população. Questionados se “a sociedade brasileira seria mais segura se as pessoas andassem armadas para se proteger da violência”, 72% dos entrevistados discordaram da afirmação. Os que concordam com a ideia são apenas 26%.
Confira a íntegra do levantamento: