Mover: veja o que muda com o novo programa do governo


Programa deve estimular a produção de veículos híbridos flex para reduzir a emissão de gases do efeito estufa. Linhas da VW já começam adequação para produção de híbridos flex
Divulgação/Volkswagen
O programa Mover (Mobilidade Verde e Inovação), que foi aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 11 de junho, foi sancionado nesta quinta-feira (27) pelo Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva e passa a ser o mais novo marco regulatório de emissão de carbono no país.
Entre os principais pontos abordados pelo programa estão a previsão de incentivos para veículos sustentáveis e para a realização de pesquisas e para o desenvolvimento de novas tecnologias e produtos. (Entenda sobre o programa mais abaixo)
Veja nesta reportagem o que deve mudar na produção e desenvolvimento de novos carros no país a partir deste ano, por meio dos seguintes pontos:
O que é o Mover?
Substituindo o Rota 2030
Como deve ficar o imposto para veículos eletrificados?
Mover na prática: o que veremos nas ruas?
Infraestrutura deficiente
Fugindo do prejuízo
Conexão Globonews entrevista relator do Programa ‘Mover’ no Senado
O que é o Mover?
O programa Mover, elaborado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, cria uma política de diretrizes sustentáveis para a produção de veículos no Brasil. Ao todo, são R$ 19 bilhões disponibilizados em créditos financeiros para empresas habilitadas no programa.
Desse montante, a distribuição deve ser de:
R$ 3,5 bilhões em 2024;
R$ 3,8 bilhões em 2025;
R$ 3,9 bilhões em 2026;
R$ 4,0 bilhões em 2027; e
R$ 4,1 bilhões em 2028.
Caso essa previsão se concretize, o programa deve alcançar mais do que os R$ 19 bilhões previstos.
Para além dos R$ 19 bilhões previstos pelo programa, a tendência é que o investimento feito pelas próprias montadoras seja ainda maior. De acordo com a Associação Nacional das Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), a quantia será de aproximadamente R$ 60 bilhões em pesquisa e desenvolvimento (P&D) nos próximos cinco anos.
E ainda há fabricantes que não anunciaram seus investimentos, o que pode modificar essa previsão. Para que esse crédito seja liberado — e ele vem na forma de abatimento de impostos por parte da Receita Federal — as montadoras precisam destinar um mínimo de 0,3% a 0,6% da receita operacional bruta para P&D.
Na prática, isso significa que a cada R$ 1,00 investido, a fabricante receberá de R$ 0,50 a R$ 3,20 em créditos para abater encargos.
Essa habilitação está voltada, entre outras exigências, para:
empresas que tenham projetos de novos produtos ou modelos;
projetos de relocalização;
instalação de unidade de reciclagem;
estímulos para a matriz energética brasileira;
valorização dos biocombustíveis (com prioridade para o etanol para veículos leves e gás natural para pesados);
novas tecnologias de propulsão e eletrificação (desenvolvimento de baterias), entre outros.
Ao todo, são mais de 55 habilitações.
A descarbonização se dará em duas frentes: a primeira na forma de produzir, aumentando a competitividade dos veículos nacionais perante o mercado global. Já o outro ponto de redução de carbono está no desenvolvimento e uso de combustíveis menos poluentes, como etanol, biodiesel e, futuramente, combustíveis sintéticos.
Além disso, a eletrificação dos automóveis é outro capítulo importante para a redução de emissões de gases do efeito estufa — o que faz com que fábricas que já estejam instaladas no Brasil, como as da BYD e GWM, ganhem ainda mais vantagens frente àquelas que estão desembarcando no Brasil apenas com carros importados.
O Mover ainda deve impor índices de reciclagem na fabricação de veículos e cobrar menos impostos das fabricantes e carros que poluírem menos, o chamado “IPI Verde” (IPI é o Imposto sobre Produtos Industrializados).
Substituindo o Rota 2030
O Mover é o terceiro programa que direciona a indústria automotiva para um desenvolvimento mais sustentável e que, ao longo dos anos, trará mais competitividade para os produtos nacionais.
Segundo o consultor automotivo Milad Kalume Neto, o Mover veio “corrigir” alguns temas não previstos pelo marco regulatório anterior.
“Sem possibilidade de grandes investimentos, a indústria nacional automotiva estava condenada, no limite, a morrer”, diz.
“A nova regulação possibilita não só a atualização em relação a novas tecnologias de eletrificação já observadas em outros mercados — o que permitiu a chegada de no mínimo duas fábricas chinesas [BYD e GWM] —, quanto permite ao Brasil o desenvolvimento de novas tecnologias, adequadas a nossa matriz energética, capazes de direcionar o Brasil à liderança da mobilidade em novas soluções”, acrescenta o consultor automotivo.
O primeiro programa similar ao Mover foi implementado pelo Governo Federal em 2012 com o Inovar Auto (com vigência de 2013 a 2017) e previa melhoria da eficiência energética. Na esteira deste, vieram obrigações exigindo carros mais seguros e, assim, veículos produzidos a partir de 1º de janeiro de 2013 passaram a sair de fábrica com airbag dianteiro e ABS, por exemplo.
Veículos como Fiat Uno e VW Kombi tiveram suas produções interrompidas justamente porque seus projetos não comportavam esse tipo de tecnologia.

À época, o Inovar Auto aumentou o IPI em 30 pontos percentuais para todos os veículos. A Kia, que liderava o ranking das importadoras, teve que aumentar o preço do hatch Picanto de R$ 38.150 para R$ 49.595, o que praticamente inviabilizou a comercialização do seu compacto em solo nacional.
Em contrapartida, o Inovar Auto também concedeu descontos para as montadoras que se habilitassem ao programa, como as que investissem em P&D, em etapas fabris no país e se comprometessem com metas de eficiência energética.
“O Inovar Auto evoluiu alguns parâmetros de eficiência e de segurança dos veículos, mas deixou algumas arestas”, afirma Kalume Neto.
O mesmo aconteceu em 2018 com o Rota 2030 que, dando um passo adiante, começou a exigir controle de tração e estabilidade em alguns automóveis produzidos a partir daquele ano. Outros equipamentos exigidos foram: luzes diurnas de condução, alerta de uso do cinto de segurança e alerta de frenagem de emergência.
Em termos práticos, o Mover amplia as obrigações do Rota 2030 (2018-2024) e passa a ter novas formas de medições dos índices de emissões. Hoje a medição é feita apenas do “tanque à roda”, ou seja, mede-se a quantidade de gases nocivos emitidos pelo sistema de escape do carro.
Segundo Cassio Pagliarini, diretor de estratégia da Bright Consulting, o Mover é uma continuação do que vinha sendo implementado no Rota 2030 e que vai estabelecer novos critérios para a indústria automotiva.
“O Mover sucede e amplia os programas anteriores”, explica o executivo.
De 2025 até 2027, o programa vai modificar essa metodologia e considerar todo o carbono que é produzido do “poço à roda”, o que significa que a medição será realizada desde a extração do combustível (gasolina, etanol, diesel, hidrogênio ou eletricidade) até a utilização dele no propulsor do automóvel.
A partir de 2027 haverá outra transição, devendo considerar não só os gases que são emitidos pelo motor, mas desde o início da fabricação — incluindo os métodos de produção de fornecedores — até a utilização do carro em si, seja ele monocombustível, flex, híbrido ou 100% elétrico.
Segundo Kalume Neto, o motivo de o programa passar a analisar toda a cadeia é pelas eventuais compensação de carbono que aconteçam no processo.
“Quando se troca um combustível derivado de petróleo por um à base de cana de açúcar, durante o processo de crescimento planta, há uma compensação desse carbono emitido pelo carro através da troca de carbono que é feita pelo processo da fotossíntese, que sequestra gás carbônico do meio ambiente, fazendo do etanol um combustível muito menos agressivo”, explica o consultor.
“Desta forma, a utilização do etanol no veículo acaba sendo ecologicamente inteligente, sobretudo porque o ciclo completo do etanol está muito próximo da emissão zero de carbono”, acrescenta Kalume Neto.
Toda forma de mobilidade está incluída no Mover, como bicicletas, motos, caminhões e ônibus.
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Como deve ficar o imposto para veículos eletrificados?
As alíquotas de impostos para fabricantes que estiverem em solo brasileiro será diferente da praticada para as montadoras que optarem apenas pela importação de seus veículos. Essas últimas, por sua vez, terão uma taxação extra de 35% sobre o valor do veículo, mas não haverá teto para a quantidade de unidades importadas.
A taxação para importados será gradual. Confira abaixo:

Segundo Pagliarini, em 2030 teremos aproximadamente 10% de veículos de origem chinesa no mercado brasileiro, considerando tanto os importados quanto os fabricados em solo brasileiro.
Mover na prática: o que veremos nas ruas?
Os incentivos voltados para desenvolvimento e pesquisas que busquem a eletrificação de veículos e a utilização de biocombustíveis devem trazer mais carros com novas tecnologias de propulsão para as ruas brasileiras nos próximos anos.
De acordo com estudo da Bright Consulting, o Mover está numa fase inicial e ainda não há nenhuma portaria ou decretos que estabeleçam novos preços para os combustíveis.
Esse passo será dado a partir de agora, com a sanção presidencial, que faz com o que o Mover ganhe força de lei. Contudo, segundo o consultor, podemos esperar mais estímulos para o uso do etanol neste primeiro momento do marco regulatório.
Para Pagliarini, o país ainda precisa passar por um período de transição, mas o etanol é uma “solução relevante e imediata para a descarbonização”.
“Os veículos híbridos operando a etanol são melhores do que os 100% elétricos que operam na Europa. Porque a matriz energética de produção de energia elétrica deles é mais poluidora do que o processo para obtenção do etanol aqui no Brasil”, explica.
“Aqui, nós temos a sorte de ter mais possibilidades de desenvolvimento com tecnologia brasileira e sem precisar fazer grandes investimentos”, completa Pagliarini.
A estimativa do mercado é que o número de carros elétricos, híbridos convencionais, híbridos plug-in e híbridos leves tenham um aumento significativo.
O veículo movido a hidrogênio deve ser o último passo nessa escala, pois o transporte e armazenamento desse elemento precisa de uma infraestrutura que suporte altíssima pressão e que ainda não é facilmente encontrada nos postos de combustíveis tradicionais.
“O grande problema dos carros à bateria hoje é o preço, e dos movidos a hidrogênio é a distribuição e o armazenamento”, fala o diretor da Bright Consulting.
Uma projeção feita por Kalume Neto indica que, até 2030, o Brasil terá 50% dos carros produzidos com motor convencional a combustão, 25% de híbridos leves e outros 25% englobando as outras tecnologias.
Segundo a Bright Consulting, o montante de veículos leves somente a combustão abocanha uma fatia de 88% de tudo que é fabricado no Brasil atualmente. Em 2030, o número de carros com a propulsão tradicional deve cair para 39,17%, e o de híbridos leves subirá para 31,58%.
Confira no gráfico abaixo as projeções em cenários otimista e pessimista:

Com essa análise, dá para afirmar que a atual participação de 7% a 8% dos eletrificados nos emplacamentos deve subir para patamares entre 16,40% a 25,05% em 2030.
Para Kalume Neto, no entanto, ainda é necessário definir qual é a categoria correta para os híbridos leves (eletrificados ou combustão), evitando uma eventual manipulação dos resultados do Mover nos próximos balanços. Isso porque a propulsão dos híbridos leves precisa de ajuda extra de um motor convencional.
“O híbrido leve, apesar de não garantir as maiores reduções de emissões, será a tecnologia mais adotada no mercado brasileiro neste primeiro momento pelo fato de ser a tecnologia mais barata e de fácil implementação”, diz o especialista.
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Infraestrutura deficiente
Um veículo híbrido leve carrega uma tecnologia de bateria de até 48 volts, ou seja, são quatro baterias de 12 volts, ligadas em série, que ajudam a tirar o carro da inércia total.
Essa força elétrica, considerada pequena para especialistas, é utilizada em saídas de semáforo, mas não consegue tracionar o carro o suficiente para rodar no modo 100% elétrico.
O mercado automotivo sabe que a infraestrutura de carregadores elétricos ainda não é alta o suficiente para aumentar as vendas desse tipo de automóvel repentinamente.
De tal maneira que a prioridade será investir em híbridos leves, que não dependem de tomada, para não sobrecarregar a incipiente estrutura de recarga que temos no país, diz Kalume Neto.
“Estamos muito aquém de qualquer outra nação europeia”, afirma o especialista, reiterando que, ao final de 2023, o Brasil tinha 3.800 carregadores elétricos.
“Dividindo esse número pela área do país, esse resultado nos coloca numa posição 15,5 vezes pior do que o país europeu com menos carregadores. Estamos com pelo menos uma década e meia de atraso quando nos comparamos a esses países”.
Infraestrutura de recarga ainda é ponto de atenção para quem deseja comprar um carro elétrico
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Fugindo do prejuízo
O intuito do Mover não é apenas trazer novas empresas e tecnologias para solo brasileiro. De acordo com Kalume Neto, o Brasil, assim como o restante do globo, enfrentou crises no setor automotivo por conta da pandemia do coronavírus e pela recessão econômica que veio em seguida.
Segundo o especialista, a projeção feita em 2014 para o mercado automotivo de 2024 era que estaríamos, no ano atual, com uma produção anual de 5 milhões de unidades.
O país, no entanto, ainda produz menos da metade dessa previsão, com 2,3 milhões de veículos em 2023. Em termos de venda, o país já alcançou 2,4 milhões de emplacamentos.
“A maioria dos analistas da indústria falava que esse número seria possível, inclusive eu, mas erramos. Capacidade produtiva nós temos: somando GWM e BYD, a nossa produção poderia ser de 4,9 milhões”, diz Kalume Neto.
O desafio que a indústria brasileira enfrenta é uma particularidade do nosso mercado: o custo do carro exportado e o que ele oferece em relação aos concorrentes de outros mercados.
Ainda segundo o consultor, primeiro é preciso pensar em suprir as demandas do mercado brasileiro.
“O etanol não é um vilão, é um aliado que vai nos auxiliar nessa busca por tecnologias limpas com muito mais facilidade do que outras nações, por exemplo. Só que, por ora, ele serve apenas para o Brasil”, diz Kalume Neto.
“Assim, quando se fala em exportação para nossos vizinhos, o ideal seria adequar as nossas linhas de produção para enviar produtos baratos que possam competir no cenário global”, finaliza.

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